segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Sobre sonhos e músicas ruins

Todo dia acordo com uma sensação de sonho, um ranço de inconsciências. Se o sonho foi bom, ainda que não me lembre dele, sinto o corpo leve. Chego a sorrir sem saber o motivo, aliviada de alguma coisa que nem sei. E sigo assim disposta à alegria pelas próximas horas. Mas quando o sonho é ruim, os olhos ficam pesados, levanto arrastando meus fantasmas e os carrego dia afora, pendurados no pescoço. Sim, são fantasmas, eu não os enxergo, mas sei que
 estão ali. Passearam na minha noite, esfregaram culpas antigas na minha cara, enquanto se faziam passar por inocentes bolinhos sobre a mesa, ou um quadro borrado, preso na parede. Sonhos são assim, cheios de códigos secretos. Nossos fantasmas são mestres na arte do disfarce. Mudam de forma para não serem descobertos, e sabem como ninguém botar o dedo na ferida, ou satisfazer nossos mais secretos desejos.

Um mundo acontece enquanto durmo. Às vezes tenho raiva. De não entender, de não lembrar. Desses códigos quase indecifráveis, que desfilam sob meus olhos adormecidos e me fazem de boba. Minhas placas tectônicas movem-se a noite toda, eu acordo mansa ou em pleno terremoto, e nada sei do que houve. Há um burburinho dentro de mim que se cala quando acordo, e eu fico me sentindo uma criança querendo ouvir a conversa dos adultos. Paradinha, com o ouvido colado à porta dos meus pensamentos, mas nada ouço. Tudo me escapa. Aí o dia começa. Com essa porta aberta, mas em completo silêncio.

Ah, um dia decifro esses mistérios. Desvendo essa historinha lero-lero que se repete em mim como um mantra, soando a ópera dramática, mas que de certo não passa de um pagode chinfrim. Desses que só sabe reclamar um desamor antigo, e que de tão ruim não sai da minha cabeça. Mas juro que um dia viro o disco. Descubro onde é que muda o raio dessa musiquinha chata e vou sonhar só sonatas de Beethoven! Sem letra nem nada pra tentar entender. Ufa, deve ser um sossego.

Kattlyn Pereira
30/setembro/2012

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Sede



Há uma letra que me dói repetitiva.
Um ressonar intruso que me invade sem permissão,
Tirando a minha calma.
Um fonema vibrante, que em alto e bom tom
Toma-me a qualquer hora do dia.
É sem escrúpulos e nunca me poupa.
Quer ser ouvido, espalhar-se, enlouquecer-me.
Enquanto eu só desejo esquecer essa exigência aflita,
Esse desconforto.

Esse nome, que transita entre o sentido e o desconexo, é você.
E ao mesmo tempo é outro,
Ás vezes até me parece prescindir de um rosto.
Mas o nome é sempre o mesmo.
E grita insistente.
Como um vazio, que tudo arrasta para dentro de si.
Um vácuo. Quer engolir o mundo, pôr no lugar.
Preencher o espaço de onde você me escapa.
E assim, quem sabe,
Saciar esse tipo de sede que é existir.



segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Para lavar a alma...





Quer me fazer feliz? Então leve-me para viver perto do mar. 
Um mar sereno, de águas tranqüilas, onde eu possa mergulhar sem medo.
Onde a minha alma seja lavada toda manhã e eu a possa pôr a quarar no sol. 
A mansidão de cada dia será como um remédio para as minhas ansiedades, 
para esse meu querer incansável. 
E na brandura de cada dia poderei embalar os monstros que me habitam.
No vaivém do mar hão de adormecer e não me perturbarão mais. 
Leve-me logo, porque daqui não vejo meios por onde escapar. 
Pareço engolida pelo mundo, no estômago da vida. 
Quarto sem janelas. Meio do continente. 
Há sempre limites demais. No mar não. 
Estar na beira de suas águas é como olhar o mundo da sua própria beirada.
Perto do mar o mundo tem suas portas abertas, 
e a minha alma sente-se livre. 

(Kattlyn Pereira - Março/2010)

terça-feira, 17 de julho de 2012

O melhor perfume



O perfume do hidratante lembrava-lhe, toda manhã, dos dias em que ela tinha amado. Abria a tampa do frasco e ensaiando um sorriso espalhava por todo o corpo a sensação de um arrepio, como se fizesse sentido alguma expectativa. Como se fosse possível, outra vez, um encontro marcado às avessas, em plena luz do dia. Sentia na maciez dos dedos a deslizar sobre a pele uma espécie de carinho, um aconchego solitário. E por breves instantes, era mesmo capaz de se sentir revivendo aqueles dias, todos os dias. Repetindo-se diariamente na aflição de um amor que lhe negava sempre o seu desfecho, mas que, como um vício, ela insistia em mantê-lo à flor da pele.

Seus dias se davam sempre nesse misto de excitação e melancolia. Numa dúvida sobre o que devia ou não ser esquecido. Por um lado buscava a saída daquele amor, a porta dos fundos por onde pudesse escapar da ofensa que era não ser amada. Por outro, relutava em mudar a fragrância, como se ao mudar, perdesse o gozo matinal do sofrimento. E como era doído, e como era bom lembrar. A dor daquele aroma tinha um sabor incomparável, era o gosto da sua alma gritando. Era como saber-se viva. E seguia deixando-se doer no melhor perfume para evitar o drama de não sentir nada, de esquecer. De apenas seguir adiante os dias, como todo mundo, camuflada pelas tarefas de viver. Perdida de si e distraída dos seus desejos.

Kattlyn Pereira

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Sobre cerejas e desejos


Quero uma cereja. E ir pra França, e ver o mar... Tem dias que eu quero tudo! Vontade de voar. De conhecer outros lugares, outros ventos. Sentir a vida bater no rosto como gotinhas de chuva. Tremer de frio, suar, cansar, correr. Perceber o movimento nas veias. E doer e ser bom, e pegar e largar. A dança da vida precisa seguir com desenvoltura os próximos passos. E é da minha natureza infantil improvisar as cenas do grande show, o espetáculo de se jogar no mundo sem redes de proteção. Gosto de brincar com fogo e às vezes até gosto de me queimar. Que seria de nós sem alguns arranhões, sem algumas tardes de melancolia, sem uns ataques histéricos? Não tenho talento para o equilíbrio chato de ser feliz o tempo todo. E gostar de tudo certinho, e tudo acabadinho, e tudo no lugar. Quero é uma cereja, bem doce. E ver o mar...

segunda-feira, 2 de abril de 2012


Sou feita de tempo e palavras. Páginas de livro, letras de música, frases sem sentido. Conta-se nos saltos dos meus ponteiros as minhas esperas. E nos meus silêncios, milhares de expectativas. Sou relativa, reativa, passional. E às vezes temo não passar de um texto sem nexo, um tempo que escorrega desatento, sem deixar marcas ao redor.

Sou tempo, sou palavras. Mas em essência sou indizível, atemp...oral. Livre de convenções e significados acabados. Posso flutuar pelos sentidos, pela falta de sentido, pelos sentimentos. Não posso ser apreendida, porque sou de substância etérea. Como é etéreo tudo que me cerca.

Gosto do movimento, dos tique-taques do relógio, de palavras que vão se misturando para dizer nas entrelinhas o que na verdade, é quase só uma suposição. E de tanto querer dizer e enxergar o impossível, espero do mundo mais do que o normal. Espero o extraordinário.